O que nos impede de comer direito, perder peso, não matar os treinos, não procrastinar no trabalho e juntar mais dinheiro? Muitas pessoas responderão que é falta de capacidade de resistir às tentações, de se autocontrolar, ou seja, falta dessa qualidade elusiva chamada força de vontade.
No entanto, a força de vontade é um recurso limitado e deve ser utilizado forma inteligente para alcançar nossos objetivos, conforme demonstrado em estudos recentes.
E existem
muitas boas razões para aprender a ter autodisciplina, ou seja, a capacidade de
resistir às tentações no curto prazo para atingir objetivos a longo prazo.
Estudantes
que se destacam em testes de autodisciplina apresentam melhores notas, faltam
menos aulas e apresentam melhores resultados em testes padronizados e têm maior
chance de entrar em programas altamente concorridos. A autodisciplina se
revelou mais importante que o QI na previsão do sucesso acadêmico[1].
Pessoas que
possuem maior autocontrole na infância se tornam adultos com melhor saúde
física e mental, menos problemas com drogas ilícitas e com a lei e com melhor
vida financeira, conforme demostraram estudos de longo prazo com crianças desde
o nascimento até os 32 anos[2].
Em
outras palavras, trabalho duro ganha do talento quando o talento não trabalha
duro. Atletas com muito talento tendem a ser mentalmente preguiçosos por poderem sempre contar com seu talento e quando as coisas não saem
de acordo com os planos, não têm resiliência para reagir e fazer uma limonada
(ou caipirinha!) com os limões.[3]
Mas parece
que somos sempre fadados a sucumbir às tentações enquanto algumas pessoas
parecem ser encarnações de Buda: simplesmente insensíveis a tentações. E
atualmente não se sabe porquê e nem se nós "serial sinners"
temos salvação.
No entanto,
há cada vez mais evidências de que a força de vontade é como um músculo que
sofre fadiga pelo uso. Resistir repetidamente a tentações é mentalmente
cansativo.
Um
experimento em que pessoas eram levadas a uma sala que cheirava a cookies recém
assados foi conduzido por Roy Baumeister, psicólogo e pesquisador da Florida State University. Na mesa em frente a elas havia um prato de cookies e uma
tigela de rabanetes. Alguns participantes podiam comer os cookies e outros
tinham que comer os rabanetes. Depois eles tinham 30 minutos para resolver um
problema de geometria complexo. Quem teve que comer os rabanetes desistia do
problema em 8 minutos, enquanto os que comeram os cookies perseveravam por 19
minutos, em média. Parece que usar a força de vontade para não comer os cookies
diminuiu o auto controle dos participantes para situações subsequentes[4]. Então se bateu uma preguiça enorme de sair para aquele
treino especialmente difícil, se premiar previamente com um doce ou um
chocolate ajuda a espantar a preguiça, pela força de vontade ou pela culpa!
Essa exaustão
da força de vontade, ou esgotamento do ego como Baumeister chamou, ocorre em
diversas situações do cotidiano. Por exemplo,
quando nos controlamos para não perder a calma com nosso chefe e colegas de
trabalho, com o cunhado irritante em uma reunião de família, ou temos que ser
diplomáticos em uma reunião de negócios, ou estamos diante de uma plateia
hostil.
Por outro
lado, a exaustão da força de vontade não é apenas
cansaço ou fadiga mental, pois pessoas que ficaram 24h sem dormir não tinham
menos autocontrole do que as que tiveram uma boa noite de sono[5].
Mas se não é fadiga o que é a falta de força de
vontade? Uma explicação possível pode ser falta de combustível. O cérebro usa
mais energia do que qualquer outro órgão humano[6] utilizando 20% do consumo
total de energia na forma de glicose. Alguns pesquisadores sugeriram que os
neurônios trabalhando pesado para exercer autocontrole consomem glicose mais
rápido do que é reposto, já que as taxas de açúcar do sangue em cachorros e
humanos que têm que se controlar caem. E além disso, tomar limonada com
açúcar restaura a força de vontade exaurida, mas com adoçante não[7].
É por isso
que resistir à tentação de comer doces ou de matar um
treino pode ser mais difícil depois de um dia de difícil no trabalho ou
interações sociais desagradáveis como
amigos chatos ou parentes irritantes. Então ceder em parte a essa tentação pode
ajudar a conservar e recarregar a força de vontade para ser utilizada em outras
situações, como, por exemplo, levantar de madrugada
para treinar no dia seguinte.
Por outro
lado, a atitude mental também pode ser importante para manter a força de
vontade. Exercer autocontrole, por exemplo para agradar outras pessoas, exaure
as reservas das pessoas muito mais rápido do que fazê-lo por razões e objetivos
próprios. Os estoicos estão certos: os objetivos devem ser internos, vencer a si
mesmo para sua satisfação própria e não para provar para os outros que você
pode ou agradar alguém.
Pequenas
alegrias do dia a dia como receber presentes surpresa ou assistir uma comédia
também diminuem os efeitos da perda de força de vontade pós exercício[8]
[9].
E mais interessante: simplesmente acreditar que a força de vontade é limitada
pode diminuí-la[10].
Então será
que a força de vontade é mesmo um recurso limitado? Há uma grande quantidade de
estudos que mostra que sim, e que talvez os estados mentais somente atuem nos
efeitos da exaustão da força de vontade e não na causa. Mais pesquisas são
necessárias para definir esta questão.
Mas talvez haja esperança para nós pobres mortais, eternamente no ciclo pecar-confessar-tentar outra vez-pecar.[11]
"Longe
dos olhos, longe do coração" é a maneira mais fácil de evitar cair em
tentação. No famoso experimento dos marshmallows em que crianças tinham a
escolha de comer um imediatamente ou esperar até que o pesquisador voltasse à
sala para comer dois, aquelas que se distraíam com alguma coisa ou
simplesmente fechavam os olhos para não ver os doces conseguiam se controlar
melhor[12].
Outra técnica
de autocontrole muito efetiva é a intenção de implementação, que não passa de
um plano para as situações de tentação do tipo "se isso, então
aquilo". Eu não quero beber hoje: se me oferecerem uma bebida alcóolica eu
vou pedir uma água com gás, gelo e limão. Toda vez que
pensar em diminuir o ritmo durante uma prova, vou me lembrar do quanto eu
investi em termos de tempo e energia para estar ali. Isto comprovadamente
aumenta o autocontrole mesmo quando estamos no final da reserva de força de
vontade.
Apesar de ser
um recurso limitado, nunca conseguimos realmente esvaziar o tanque e sempre
temos alguma reserva guardada de força de vontade que podemos usar se tivermos
a motivação correta, ou seja se fizermos isso por nós, por objetivos internos
de autossatisfação ou mesmo altruísticos como ajudar os outros.
A analogia da
força de vontade como um músculo vai além da exaustão no curto prazo pelo uso
intenso, utilizá-la regularmente torna o autocontrole mais fácil, de acordo com
os pesquisadores do assunto.
E se a falta
de força de vontade está ligada a baixos níveis de glicose no cérebro, então
comer regularmente mantendo os níveis de glicose no sangue estáveis pode ajudar
a manter o autocontrole. Mas lembre-se que doces são a última coisa que se deve
comer nesses casos pois sua ingestão gera picos de glicose, exatamente o que se
quer evitar, pois quando os níveis de açúcar caírem a força de vontade ficará limitada.
Finalmente,
listas com resoluções de ano novo são fadadas ao fracasso
porque exercer autocontrole em uma área diminui os estoques para a utilização
em outra. Então em vez de decidir parar de fumar, adotar uma dieta saudável e
começar a fazer exercícios, o ideal é ter um objetivo por vez até que ele se
torne um hábito, que se faça sem pensar, sem utilizar os estoques de força
mental e então atacar os demais.
Muitas vezes passamos por fases na nossa vida em
que deixamos algo na nossa rotina a desejar: a dieta, os treinos, os gastos com
besteiras, fumar ou beber demais. Nessas horas, é importante analisar o que
pode estar exaurindo nossa força de vontade. Pode ser o trabalho, podem ser as
obrigações sociais ou com a família. O ideal é ser gentil consigo mesmo,
decidir onde é mais importante exercer o autocontrole. De repente ceder um
pouco na dieta, mas não matar os treinos. Fugir daquelas pessoas chatas que
você se controla para não mandar para o inferno e ir ao cinema assistir um
filme pipoca com quem realmente importa para você. Meditar um pouco sobre suas
verdadeiras motivações, o que realmente te faz feliz.
[1] (Duckworth, A. (2011). The
significance of self-control. Proceedings of the National Academy of Sciences,
108(7), 2639–2640. Duckworth, A., &
Seligman, M. (2005). Self-discipline outdoes
IQ in predicting academic performance in
adolescents. Psychological Science,
16(12), 939–944.)
[2] (Moffitt, T., et al. (2011). A gradient of childhood self-control
predicts health, wealth, and public safety. Proceedings of the National Academy
of Sciences, 108, 2693–2698.)
[3] How Bad Do You Want It?: Mastering
the Psychology of Mind over Muscle, Matt Fitzgerald, 2015 https://amzn.to/2J2D4fr
[4] (Baumeister, et al. (1998). Ego depletion: Is the active self a limited
resource Journal of Personality and Social Psychology, 74(5), 1252–1265.)
[5] (Vohs, K., et al. (2011). Ego depletion is not just fatigue: Evidence
from a total sleep deprivation experiment. Social Psychological and Personality
Science, 18(2), 166–173.)
[7] (Gailliot, M., et al. (2007). Self-control relies on glucose as a
limited energy source: Willpower is more than a metaphor. Journal of
Personality and Social Psychology, 92(2), 325–336.)
[8] (Mark Muraven, PhD, of the University at Albany, Muraven, - M. (in
press). Ego-depletion: Theory and evidence. In R. M. Ryan (Ed.), Oxford
Handbook of Motivation. Oxford: Oxford University Press.
[9] Muraven, M., et al. (2008). Helpful selfcontrol: Autonomy support,
vitality, and depletion. Journal of Experimental Social Psychology, 44(3),
573–585. )
[10] Job, V., et al. (2010). Ego depletion — Is it all in your head?
Implicit theories about willpower affect self-regulation. Psychological
Science, 21(11), 1686–1693.)
[11] (What You Need to Know about Willpower: The Psychological Science of
Self-Control was written by Kirsten Weir. Copyright © American
Psychological Association 2012)
[12] Mischel, W., et al. (1989). Delay of gratification in children. Science, 244(4907),
933–938.
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