Acho que nasci para correr
mesmo. Lembro até hoje eu me locomovendo e meus pais gritando: Ana, não
corre!!! E eu pensava, se eu posso correr por que vou andar e demorar a chegar
onde eu quero?
Na realidade acho que todos nós
adoramos correr. A gente só não lembra mais...
É só olhar qualquer criança, elas só se locomovem correndo e com aquela
passada perfeita que a gente desaprende e depois fica fazendo um monte de
educativo para reaprender. Então, por favor, nunca fale para uma criança não
correr.
No triathlon a corrida é um dos
grandes determinantes do resultado final, no entanto, é muito fácil perder a
paixão pela corrida. Afinal pedalar é tão sensacional (a velocidade, as distâncias
cobertas, a tecnologia envolvida) que tudo mais parece sem graça.
E para piorar, a corrida no
triathlon é muito ingrata: não é tão divertido quanto pedalar e o sofrimento é
muito maior. As pernas sempre estão acabadas e você não tem a mínima vontade de
correr depois de pedalar, ainda mais fazendo força.
Então na T2 (a transição da bike
para a corrida) dou uma alongada rápida enquanto contemplo o sofrimento que
está por vir e meto o pé. Gosto de sair forte de cara, funciona melhor para
mim.
E aí começa o bate-boca interno:
- São 21km, uma meia maratona, já
é difícil sem pedalar antes, você não tem mais perna para isso, vai se
arrastar.
- Vamos sair forte e ver o que
acontece.
- Puta que pariu, km 1 e sua
perna já tá reclamando horrores, já falei que não vai dar para segurar esse
ritmo!
- A perna vai reclamar até enjoar
porque não vou parar e não vou diminuir, vou assim até quebrar.
- Diminui só um pouquinho, vai
ser mais confortável e não vai fazer diferença, você não vai chegar mesmo em
quem está na sua frente.
- Cala a boca e acelera que o
pace caiu.
Essa briga continua por uns 18
km...
- Vamos acelerar que está
acabando!
- Nem tá tão acabando assim, mas
vamos acelerar porque termina mais rápido esse inferno!
Aí cruzo a chegada, penso que
podia ter feito mais força... e prometo sofrer mais na próxima vez...
A vantagem das distâncias curtas
é que esse diálogo se estende por menos tempo, no caso da distância olímpica
com 10km de corrida; ou simplesmente não existe, no caso do triathlon sprint
com 5km finais de corrida, porque estou presa em um universo paralelo de dor e
sofrimento.
Os treinos de pedal combinados com corrida (treinos de passagem) são uma amostra grátis desse sofrimento da corrida
no triathlon. Aproveito para ficar cada vez mais imune aos truquezinhos baratos
dessa parte do meu cérebro que não gosta de correr cansado e com dor. Tenho
várias técnicas, desde o cala a boca e corre, cantar na minha cabeça músicas
inspiradoras (prometo escrever sobre as que mais gosto um dia), a pensar que
minhas inspirações no esporte como a Mirinda Carfrae ou a Gwen Jorgensen sofrem
muito mais do que eu naquele momento e que eu deveria deixar de ser chorona
e sofrer um pouco mais. Uma vez me disseram que eu terminava um treino de pedal
forte e saía para correr como se estivesse acabado de acordar. Pode parecer,
mas a verdade é que não quero correr, tenho quase que literalmente arrancar o pace de dentro de mim. E no final nunca acho que
foi suficiente e prometo tentar sofrer mais na próxima vez.
É por isso que eu preciso dos
meus treinos reconciliatórios com a corrida! Aqueles que me fazem lembrar
porque adoro correr, os quais eu curto cada segundo.
Adoro correr rápido, treinos
fortes de tiro, treinos em ritmo forte, treinos de passagem simulando a prova!
É um esforço totalmente recompensado!!! Mas mesmo quando esses treinos estão
rendendo maravilhosamente bem e a sensação é quase de correr forte sem esforço,
há sempre um trabalho mental por trás.
Meu treino
reconciliatório é o longo do domingo na grama no Aterro do Flamengo. Me dou o
luxo de levar música, o ritmo deve ser leve, então se está incômodo eu diminuo... zero sofrimento, pura alegria.
Corro pela grama, entre as árvores, pulando as raízes, passando entre as
pessoas fazendo piquenique, as crianças correndo (que inveja daquelas
passadas!), escolhendo o caminho com mais sombra...
Imagino que cada um tenha o seu:
o longo leve, ou talvez aquele de ritmo forte em que você finalmente descobre
que consegue sustentar aquela velocidade por uma distância maior, ou aqueles
tiros numa velocidade que você nunca tinha conseguido chegar... O importante é
descobrir qual é o seu não perder a paixão pela corrida!
Ou então esquecer essa parada de
triathlon e virar ciclista de vez!
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